
A discussão sobre a regularização de plataformas de aluguel de imóveis por temporada, presente hoje em diversas cidades no Brasil e no mundo, põe foco no superuso ou uso anormal da propriedade, manifestado quando este ultraa os limites de um usufruto adequado e razoável do bem, provocando transtornos e prejuízos à vizinhança imediata e até mesmo aos interesses coletivos no seu entorno. 6z1c52
A legislação em vigor assegura ao detentor de uma propriedade o direito de usá-la plenamente, inclusive colocá-la sob o uso de outro, sob determinadas condições, até alugá-la por temporada. Porém, esse direito não deve ser encarado como absoluto: leis, regulamentos e convenções incidentes sobre o imóvel e sua localização devem também ser respeitados. Até o bom senso pode contribuir para impor freios aos usos indevidos ou indesejados.
O Código Civil, por exemplo, em seu artigo 1.277, preconiza que o proprietário não pode usar sua propriedade de modo a perturbar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos. O que vier a caracterizar uso anormal do imóvel, por meio do abuso do direito de propriedade, pode, quando afetar de modo prejudicial os vizinhos, a comunidade ou o meio ambiente, gerar responsabilidade civil e penal ao proprietário abusivo.
As plataformas de aluguel por temporada têm sido acusadas de estimular a superutilização de propriedades, rompendo os limites do bom senso — muitas vezes por estarem imunes às regras de convivência estabelecidas nas convenções de condomínio, que costumam ser omissas em relação a essas novas formas de uso dos imóveis. As reclamações vão além: alega-se, mundo afora, que elas provocam o aumento do preço da habitação ao reduzirem a oferta de imóveis para uso permanente.
No Brasil, há projetos de lei em tramitação em câmaras municipais visando estabelecer regras para a operação de tais plataformas e assegurar a proteção dos direitos da vizinhança. No mundo, várias cidades têm enfrentado o problema, por vezes de modo mais contundente — como é o caso de Barcelona, que pretende banir os aluguéis de imóveis de curto prazo já a partir de 2028.
Outras cidades, como Berlim e Nova York, entre outras, também já adotaram medidas restritivas ao aluguel por temporada. Tendo como principal motivação o enfrentamento da crise habitacional, catapultada por tais plataformas. Em tempos em que falar de regulação de direitos pode ser tomado como ofensa, é imprescindível mirar a experiência internacional e encontrar a dose certa para impor limites aos superusos da propriedade por aqui.
*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade